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Solidariedade o Mal do nosso Século!

Por Deise Ferraz


Ninguém duvida que a solidariedade é um dos ensinamentos do Covid-19! Estamos re-aprendendo a sermos mais solidários? Se considerarmos o pessoal verde amarelo, poderíamos dizer que não. Mas, apesar de barulhentos, eles não são maioria. Então, os deixamos de lado um pouco. Sendo assim, sim, estamos re-aprendendo.

Há quem deposite muita fé nessa aprendizagem. Quando tudo isso passar - e como diz o comercial na TV: vai passar! - teremos uma nova forma de viver. Seremos todos solidários e solidárias. Seremos? Sim, seremos. Mas esse será nosso mal! O Covid nos re-ensinou que a solidariedade faz bem a dois indivíduos: ao que doa (ajuda) e ao que recebe (ajudado).

Mas como bem havia dito o aniversariante da próxima semana, tudo recai sobre os ombros da classe trabalhadora. Eis porque quando tudo isso passar, teremos mesmo que ter aprendido a lição, para o nosso mal, mas para o bem do capital. A capacidade humana de sentir simpatia ou piedade pelos que sofrem é acionada contra a classe que se solidariza individualmente, a classe trabalhadora. Sem, contudo, se constituir em uma consciência sobre as condições que criaram a situação de carência e sofrimento que leve a ação, não há uma solidariedade enquanto classe trabalhadora.

Vejamos mais de perto porque precisamos ser mais solidários. Há tempos estamos presenciando o avanço acelerado das tecnologias, em especial, da informação. O Covid-19 não inaugura o teletrabalho, não inaugura a EAD, não inaugura as tele-entregas por aplicativos, não inaugura os aplicativos de transportes, não inaugura os streams, não inaugura as lives. No mundo todo, de forma muito desigual mas bastante combinada, as populações são tocadas pelo avanço dessas tecnologias.

Se nas casas de NY o home office é praticado e novas ideias de produtos saem de mesas que horas são utilizadas para trabalhar hora para comer (ou para ambos ao mesmo tempo); se muitos brasileiros se graduaram por EAD, se nas ruas do Peru chama-se um uber com três toques, se em um canto qualquer do mundo é possível assistir ao filme que se deseja na hora que se quer (ou se pode); é porque em algum lugar da República Democrática do Congo há muito trabalho infantil sendo realizado na extração do componente essencial às baterias dos celulares, é porque em algum lugar da China ou do interior de Minas Gerais trabalhadores e trabalhadoras passam horas extenuantes trabalhando em linhas de montagem, é porque motoristas de transportadoras dormem menos de 5 horas por noite, é porque imigrantes circulam pelas ruas das grandes metrópoles europeias vendendo cabos de celulares ou porque jovens de comunidades vendem de tudo nos transportes coletivos superlotados das metrópoles brasileiras.

Não! O avanço da tecnologia, isso que nos aparece como comodidade, esconde, de fato, milhares e milhares de muitas horas de trabalho e, pior, muito trabalho não pago e em condições muito precárias. O avanço tecnológico é comodidade, mas é ao mesmo tempo a extensão da jornada de trabalho, a intensificação do trabalho e o “just time” do trabalho (trabalho só na hora certa para o empregador - o que pode ser o tempo todo ou todo o tempo no tempo em que necessitar da tarefa). Em resumo o avanço tecnológico na aparência da comodidade esconde por um lado a acumulação da riqueza e por outro a pauperização de quem trabalha.

Faz isso criando o desemprego; faz isso tornando obsoletas certas formalidades legais que chamamos de direitos dos trabalhadores (conquistados quando a jornada de trabalho está majoritariamente presa aos muros das fábricas); faz isso porque o capital se apropria do que antes era apenas trabalho social reprodutivo (o que chamamos vulgarmente de trabalhos do cuidado e doméstico), e se apropria já na condição em que ele pode ser realizado nas formas mais precárias possíveis. E para uma parte da geração de mulheres pós 1980, nunca ficou tão sensível o peso do trabalho reprodutivo.

Vemos então, que o covid-19 não criou nada, embora tenha criado as condições necessárias para acelerar muita coisa (mas por enquanto, alguns grupos de capitalistas preferem culpá-lo por desacelerar a produção). Em que medida ele acelerou? Ele criou a possibilidade para espraiar, em uma velocidade gigantesca, tudo aquilo que antes era normalidade, mas não estava imposta como determinante.

Muita coisa vai mudar depois que voltarmos ao normal. Mas o normal não será mais como antes. Nos dirão: a normalidade exigirá que tenhamos aprendido a lição. Sejam solidários é o novo mantra!


De que solidariedade precisaremos?


- Solidarizem-se com os desempregados e desempregadas! Seguiremos precisando realizar doações para todos aqueles e aquelas que foram substituídos pelas novas formas produtivas de trabalho via tecnologia remota. Um viva o expansão das Organizações Sociais “do bem”.

- Solidarizem-se com os mais próximos! Seguiremos tendo que cuidar das crianças da vizinha para ela trabalhar, quando a rede educacional liberar o ensino em casa para que não se invista com o ensino público, afinal, professores não poderão ter aumentos, e concursos públicos estarão proibidos. Um viva ao projeto escola-família! Afinal, a escola só doutrina.

- Solidarizem-se com os idosos que restarem! Seguiremos tendo que cuidar dos idosos e idosas, que não poderão mais contar com a previdência social tampouco com o crédito consignado. A margem já se foi...

- Solidarizem-se com os jovens mentalmente adoecidos! Seguiremos tendo que dar apoio psicológico aos jovens que encontrarão zero possibilidades de realizar seus sonhos e seguirão, cada vez mais, sentindo-se fracassados.

- Solidarizem-se com as mulheres! Seguiremos tendo que ser solidários com as mulheres que, com aumento da penúria, sentirão o aumento da violência doméstica. Solidarizem-se com suas companheiras!

- Seguiremos tendo que lutar para que as atividades domésticas sejam divididas, afinal, agora ambos trabalham home office e com o corte dos salários, não será mais possível chamar a diarista - que agora vai seguir sendo solidária a sua vizinha que manteve os bicos diários.

- Solidarizem-se! É o que estão nos ensinando! O que não estamos aprendendo com o Covid-19 é que a solidariedade é o mal do nosso século!




Sim!! Porque o que eles nos ensinam por meio do Covid-19 é que estejamos todos uns solidários com os outros mas ninguém resolvendo o problema de ninguém. Precisamos urgentemente parar de sermos refém da solidariedade! Sobretudo, precisamos acabar com a necessidade da solidariedade.

Enquanto nossa solução for a solidariedade, apenas estaremos resolvendo o problema de consciência individual de uma pequena parte da classe trabalhadora e o problema do estômago individual de outra pequena parte. A solidariedade escancara a hipocrisia!

Ela esconde que no movimento das solidariedades individuais que nada resolvem, apenas somos solidários com aqueles que nos colocam na situação de necessitar de solidariedades: a classe que nos explora. Basta! Basta!! Precisamos de solidariedade de classe e não de solidariedade para a outra classe.

Não deveria nos bastar que as nossas diarista e suas famílias não passem fome, a menina da República Democrática do Congo também merece uma vida plena de humanidade.

Não deveria nos bastar que o trabalho reprodutivo fosse dividido dentro de casa para assim homens e mulheres termos mais tempo de trabalho para o empregador. Precisamos que todo o trabalho se converta em trabalho reprodutivo, reprodutivo de humanidades.

Não deveria nos bastar promessas de emprego, de renda, de salário, pois precisamos é acabar com o trabalho assalariado, pois ele produz nossa escravidão sem grilhões. Não deveria nos bastar que nossa consciência individual esteja leve, leve deveria ser a vida!

Não deveria nos bastar a solidariedade, pois ela é apenas sinal que tudo recai sobre os ombros da classe trabalhadora.

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