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Vai dormir que a FOME passa

No sistema prisional a pandemia acentuou o medo, a doença, o descaso e a FOME.



Você já sentiu fome na vida? Fome de verdade, aquela que dói, que desespera e que te faz repensar em como chegou até aqui?!

Não é aquela fome de biscoito recheado, mas só tem cream cracker na dispensa. Estamos falando de fome de verdade: aquela que surge e não há farinha ou açúcar para tapear; nem leite ou chá para despistar; é você olhar para o lado e só ter água encanada para beber; é ter que ir dormir para a fome passar.

É assim, em meio ao desespero da fome, que as pessoas privadas de liberdade são tratadas piores do que animais enjaulados. São algemadas, sem visitas, sem banho de sol, sem testes e SEM COMIDA.


Dormir se torna o único recurso para os presidiários, para gastar menos energia e não se meter em problemas maiores - como comprometer a própria sobrevivência na sociabilidade da vida encarcerada.


Para quem já assistiu o filme “O Poço”, uma produção original da Netflix, lançado em 2020, tem em mente a ilustração de como a vida encarcerada e a fome fazem com que as pessoas ressaltam seus instintos de sobrevivência e comam uns aos outros, prevalecendo “a ordem natural” do mais forte. O que muitos não conseguem ver, para além do que é mostrado no filme, é que a forma como o Estado brasileiro tem atuado leva os prisioneiros exatamente a estes limites - mas nunca iremos ver isso noticiado, porque aquelas vidas enjauladas como bichos não interessam à grande massa da população.

Nenhuma mudança é espontânea. Esta é a mensagem do filme e é o que nós, estudiosos e militantes do movimento Desencarcera, temos defendido. Não haverá abolicionismo se continuarmos reivindicando apenas melhores condições de vida no cárcere.


O ponto aqui não é sobre a quantidade de comida que eles deveriam receber, e sim, por que ainda isolamos socialmente essas pessoas? Já estamos vivendo na pele o isolamento social, sabemos que ele não ressocializa ninguém e que a sociabilidade é algo necessário para expandir as capacidades humanas.




A luta pela sobrevivência se acentua no cárcere, os presos sabem disso e já começam a escrever cartas de despedidas aos seus entes queridos, como posta a autora Trevisan em 29 de Abril de 2020. Imagine receber uma carta de uma pessoa amada, que você não vê há meses e sequer sabe quando poderá vê-la, e nesta carta são expressos o adeus, o medo do vírus, a agonia da fome. Eles pedem que o vírus chegue e os matem primeiro por asfixia, pois ao menos seria uma morte “rápida”.


A essas mesmas famílias que recebem as cartas de despedidas e é negado o direito de visitas e de envio de alimentos, é negado o auxílio emergencial, estendendo a eles o desespero da fome. Para os ministérios da economia e da cidadania, não importa se os familiares estão dentro das normas pré-estabelecidas, eles vão para o final da fila de análise e estão com os cadastros retidos, como informa a matéria publicada pelo G1 no dia 18 de maio de 2020. Segundo a declaração do procurador Julio José Araujo Junior, esta medida, de manter retido o cadastro e/ou negar os benefícios à essas famílias, é irregular.

A entrada dessas pessoas para a economia do crime é julgada simplesmente de forma moral, como se fosse mera falta de caráter. Consequentemente, esta imoralidade intrínseca que se atribui aos encarcerados é transferida também aos seus familiares. Os erros da sociedade se personificam na figura do criminoso; os erros dos criminosos se despersonificam para que a pena possa atingir também aos seus familiares. O que essas pessoas ignoram é que o crime é um produto social e que, numa sociedade de classes, o certo e o errado são estabelecidos por meio de uma dinâmica de poder em que determinados interesses e prioridades preponderam sobre outros.

Mas que prioridades são essas? O auxílio não é para fazer com que as pessoas não passem fome? Não é, afinal, uma situação de emergência? A renda não era para essas pessoas que ficaram sem trabalho, autônomos, desempregados e trabalhadores intermitentes de prestação de serviços que tiveram sua jornada interrompida? Fica claro e objetivo o julgamento do governo para com os familiares, que não têm nada a ver com o crime cometido, mas são julgados da mesma forma ou até pior, pois, afinal de contas, “são farinha do mesmo saco”. As ações propostas pelo governo como o uso dos containers e o investimento em equipamento não letal para conter as rebeliões nos fazem pensar e repudiar, quem está lucrando com as prisões? Qual “boiada” está passando por aqui?

Nesse sentido, a pandemia acentuou a desigualdade que temos na sociabilidade capitalista; acentua ainda mais a luta de classes e intramuros carcerários os danos são incontáveis. Já temos casos confirmados no sistema prisional em todos os estados brasileiros, como divulga os grupos de estudos da UNB, UFPE, UFSC, UEFS- por meio da página INFOVÍRUS. Expomos diariamente os trabalhadores da segurança pública, que colocam as suas famílias em risco, e todo o sistema prisional como um emaranhado de dominó que agora recai sobre o sistema de saúde, mas a luta não acaba aqui...


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